quarta-feira, 18 de junho de 2008

Ela era um punhado de fotos, ela era a literatura, ela era uma daquelas belas surpresas da sorte, uma amiga de uma amiga. Era parte de um maravilhoso jogo literário, de se revelar aos poucos, de dizer sobre si mesmo, texto a texto. Ela o conhecia melhor que muita gente que o cercava, pois era para ela, de um modo ou de outro, que contava seus segredos. Seus desabafos, seus pensamentos, colocados em algumas linhas, escritos, na verdade, apenas pelo fato de que ela iria ler. De fato, com algumas exceções, tudo aquilo era escrito em função dela.
Por mais que os textos falassem de outras pessoas, por mais que falassem de seus amigos ou sua ex-namorada, tudo aquilo era escrito, no fundo, para seu comentário a respeito, sua aprovação, para saber sua opinião.
Não precisava mais guardar tudo para si. Por pior que tivesse sido o dia, havia alguém, mesmo que estivesse a mil quilômetros de distância, que se importaria em ler o que ele pensava.
O angustiava a idéia de que talvez nunca a conhecesse, realmente, que talvez nunca sentisse seu cheiro ou ouvisse sua voz.
Como será que era sua voz? Será que ela era realmente do mesmo modo que a imaginava? E, quanto a ela...
Será que não se decepcionaria com ele, quando o conhecesse, em saber que ele era apenas mais um sujeito normal, sem grandes atrativos?
Como será que ela falava, será que dizia alguma palavra de um jeito peculiar, ou tinha algum gesto inesquecível?
Como poderia ele nunca vê-la, quando o queria tanto, apenas por causa daquela distância que era, ao mesmo tempo, tão pequena e tão incrivelmente longa?
Ela poderia ser sempre apenas uma foto, ele tinha medo de que, alguns anos depois, ela fosse uma frustração, a “garota que ele nunca conheceu”, e de imaginar de como o passado poderia ter sido, imaginar, sem ter ao menos uma idéia vaga do que acontecera a ela. Perder o contato, se lembrar dela dali a alguns anos, em uma roda de amigos, enquanto tomam uma cerveja e falam sobre a juventude, apenas como uma lembrança remota e não concretizada, daquela maravilhosa garota do Mato Grosso.

terça-feira, 10 de junho de 2008

A minha vida é uma pequena fábrica de lembranças.
Assim como a vida de qualquer um.
É uma busca constante de ter lembranças melhores do que as anteriores.
Quando o seu presente é menos satisfatório que seu passado, você fica preso a ele.
Quando não há algo de bom o deixando feliz, ou a perspectiva de alguma coisa grandiosa, por menor que seja, o passado o chama.
Há algo de horrível no passado: O fato de que ele não volta, de que suas lembranças são apenas lembranças, que nada daquilo existe mais, por mais intensas que suas memórias sejam.
Parei no meio de um momento maravilhoso para pensar, uma vez. Percebi que dali a seis meses sentiria uma falta tremenda daqueles tempos. Foi um bocado desolador chegar à essa conclusão.
Era uma hora tão boa que eu sabia que me lembraria dela pelo resto da vida.
Passaria talvez cinqüenta anos me lembrando de algo que havia durado duas horas.
Pequenas coisas que, há alguns meses, talvez um ano atrás me pareciam corriqueiros agora me fazem falta, por serem maravilhosas, sim, mas principalmente por eu não estar agora me esforçando tanto quanto naquele tempo para aproveitar a vida.
Aqueles tempos foram melhores do que os que estou vivendo, logo, ainda tenho um pé neles.
É uma reação perfeitamente natural.
Tendemos a ficar no tempo que nos torna mais felizes.
A grande maioria das pessoas se prende a coisas que já passaram, ou então, a seus grandes planos de futuro que dificilmente acontecerão como planejaram.
Poucos sábios e afortunados sabem viver com intensidade o presente, o que há de concreto, aproveitam sua chance de fazer com que o dia de hoje, este exato momento seja, daqui a dez ou onze anos lembrado com um suspiro e uma frase como: “Olhando bem, como eu era feliz”.
Pensando bem, não conheço nenhuma pessoa que seja assim, e talvez nunca conheça. Eu certamente não sou uma dessas. Se não viver esperando ansiosamente pela próxima sexta-feira, viverei suspirando pela sexta-feira passada, mesmo sabendo que ela já se foi, não existe, que minha memória não é algo concreto.
Não há nada de particularmente interessante me esperando sexta que vem, ou pelo menos é o que parece. As melhores coisas da minha vida, talvez com exceção de uma, surgiram sem avisar ou bater na porta. Sem hora marcada ou planejamento, apenas foram acontecendo, e estou me lembrando delas nesse momento. Fazem um pouco de falta.
A verdade é que eu gosto demais de me lamentar e muito pouco de agir. É mais fácil reclamar que os tempos já não são como antes do que tentar viver o hoje da melhor forma possível. Viver é um pouco cansativo, na verdade. É mais fácil viver intensamente apenas uns dias a cada semestre e recordá-los no restante.
Aquela sensação de frio na barriga, ou ainda aquela sensação irreprimível de alegria não foram feitas para o dia-a-dia, ao que parece. Pertencem àqueles dias raros, aqueles para serem lembrados como sendo muito melhores do que realmente foram. Para serem lembrados com um céu muito azul, uma sensação estranha de leveza, um pouco de tristeza e um bom tanto de alegria.
Mas por que diabos eu estou aqui sentado, escrevendo sobre lembranças e passado quando poderia estar lá fora vivendo?
Me ensinaram a escrever, mas quanto a viver, acho que ainda faltam algumas lições importantes.