quarta-feira, 26 de março de 2008

Era mais uma daquelas noites de garoa e um pouco de neblina, daquelas nas quais o asfalto reflete a luz dos postes e ninguém está nas ruas.
Era o que ele observava pela janela.
Deu um pequeno suspiro, amassou o cigarro no cinzeiro e andou vagarosamente em direção a seu quarto, cantarolando uma velha canção com uma melodia lenta e triste.
Abriu o armário, procurando por algum livro, algo que o distraísse...
Encontrou, jogada em um canto e coberta de poeira, uma velha caixa de papelão.
Não a via há tanto tempo...
Estava carregada de tantas lembranças boas e frustrantes, tantos planos que não haviam se concretizado, tantas alegrias inesperadas, surpresas, festas e amizade, era uma caixa tão repleta de sua própria história que o assustava.

Abriu a caixa e pegou a primeira das fotos.
Um grande grupo de pessoas, em uma daquelas festas.
Estranho...
Havia perdido o contato com quase todos eles...
E, pensando bem, isso não fazia diferença alguma.
Tinha notícias vagas de uns ou outros, um havia se tornado médico, outro, biólogo, havia também o que havia sido preso depois de matar um cara.
Parecia tão feliz naquela foto...

Pegou a segunda foto.
Um pequeno grupo de amigos, reunido em uma varanda.
Os melhores.
Eram imortais.
Olhou para os rostos de cada um.
Estavam tão felizes...
Faziam planos.
Também havia perdido o contato com eles.
A distância, o tempo, a vida os havia separado.
Um continuava naquela cidadezinha.
Tinha uma esposa linda, seu filho mais velho provavelmente tinha dezesseis anos, hoje em dia.
Estranho pensar nele como mais um cidadão normal...
O outro tinha tido uma idéia genial, e apostado tudo nela.
Tinha uma mansão, cinco carros, todas as mulheres falsas e bajuladores do mundo.
E, não podemos esquecer, uma frustração enorme.
Estranho pensar nele frustrado, depois de conseguir tudo com o que sonhara tanto...
Olhou longamente para o rosto do terceiro.
O mais promissor de todos, talvez.
Era o melhor deles.
E ainda seria, se seu carro não tivesse ido de encontro àquela árvore.
Olhava distraído para o nada na foto, rindo da piada de alguém. E tinha saído com aqueles olhos vermelhos e brilhantes.
Parecia tão feliz naquela foto...

Ele ia olhando, foto por foto.
A cada registro de alegria uma certeza estranha ia se formando em sua cabeça.
Fotos de uma praia, um pub, um pequeno estúdio, várias casas, incluindo a sua própria.
Restava no fundo da caixa um monte de fotos preso por um elástico.
Ele sabia exatamente que fotos eram, ansiava por elas, assim como as temia, desde o momento no qual abriu aquela caixa.
Os retratos de um tempo incrivelmente feliz.
Pegou a primeira delas, a mais antiga.
Ela o abraçava, daquele jeito espontâneo que só ela tinha.
Seus rostos estavam encostados, e eles sorriam.
Fazia tanto tempo...
Olhou para aqueles olhos que costumavam olhá-lo daquele jeito incrível.
Para aquela boca que o beijava, e seu cabelo.
Imediatamente uma imagem se formou em sua cabeça.
Pés ligeiramente para dentro, pernas bonitas, um sorriso estranho, olhos encantadores, um jeito de falar bastante próprio, uma voz bonita.
Uma cintura perfeita, pelo menos para ele, e uma ligeira falta de auto-estima, que ele adorava.
Olhou todas as outras fotos.
Eles em casas de amigos, festas, praia, no casamento de um amigo, e no deles próprios.
Olhou bem para eles...
Que dia incrível.
Tudo parecia possível.
Mesmo que não fosse.
A sua casa, seu cachorro.
Sorrisos.
Pareciam tão felizes.

Aquela certeza estranha...
De que sua estava passando sem ele.

Era um insulto a todas aquelas lembranças que seu presente fosse pior do que elas.
Decidiu reunir todas aquelas pessoas que ele mesmo havia tirado de sua vida, aos poucos.
Aqueles velhos amigos ficaram surpreendentemente felizes com aquela ligação.
Depois de tantos anos, aquelas pessoas estariam reunidas novamente, apesar de que uma delas nunca estaria lá...
Mas não havia tempo para pensar nisso.
Havia mais uma ligação que devia fazer...
E essa não podia esperar.

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